quarta-feira, abril 21, 2010

Sobre mágoas e poesias

Não tenho doces recordações da infancia. A mágoa da adolescência e do início da idade adulta apagou muita coisa da minha lembrança e classificou outras como ilusão.
Sou perfeitamente capaz de perdoar, já esquecer são outros 500.Eu não esqueço o bem e muito menos o mal.Está tudo aqui, me assombrando...
A indústria farmaceutica já criou remédio contra a ansiedade, a depressão, o medo, será que já existe um contra a mágoa? se houver, tomo na veia!
Não quero sentir mágoa,mas não consigo evitar. Tem momentos que fico remoendo tanta coisa ruim que me vem a imagem mental de que sou um triturador de lixo,ou aquelas pás que tem dentro dos caminhões da Qualix, que levam as sujeiras mais para dentro.
Preciso criar uma imagem mental melhor, nas horas de mágoa, para evitar que este sentimento mal cheiroso me contamine.Pensei em uma agora: água sanitária,jogada no pano encardido, clareando,alvejando e depois sendo enxaguada para não deixar o tecido amarelo.Só de imaginar me fez bem. É esta a imagem mental que vou criar agora, quando começar a remoer o que não precisa.
Mas nem era disso que eu queria falar.Queria falar que apesar de hoje desejar nunca mais olhar na cara do meu irmão,(dá-lhe água sanitária!)lembro-me com carinho das noites que passávamos lendo poemas em voz alta. Quase sempre Drummont ou Manoel Bandeira.Quantas sutilezas podem estar escondidas nas poucas palavras escolhidas para um verso!
Hoje Manoel e Drumont já não explicam tão bem.Tenho 41 anos,uma família linda, um marido bom e apaixonado.Quem me explica agora é Adélia Prado e sua beleza do cotidiano:

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.

Não é lindo? Veja que a beleza de se estar juntos naquele momento supera o cansaço, o trabalho que dá.
Claro que também pode ser interpretado como algo mais profundo:a mulher que é a grande ajudadora do marido, que não o deixa enfrentar os desafios sozinhos etc e tal, mas quem me conhece sabe que prefiro explicações simples...
Mesmo estando em outra fase, não dá para não citar O poema Belo Belo do Bandeira.
Sem dúvida, só gosto de lidar com emoções simples e estou piorando a cada dia que passa...

Belo Belo

Belo, belo, belo,
tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo das constelações extintas há milênios
e o risco brevíssimo – que foi? Passou!
- de tantas estrelas cadentes.
A aurora apaga-se
e eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
continuo a possuir o segredo grande da noite.
Belo, belo, belo,
tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
os anjos não compreendem os homens.
Não quero amar,
não quero ser amado.
Não quero combater,
não quero ser soldado.
- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

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